Por Daisy Verneque
A população negra no Brasil sofre com a existência perversa do racismo, que torna a vida e o cotidiano mais desafiadores e, por vezes, permeados de violências, sendo estas explícitas ou não, impactando na saúde física e mental (CFP, 2017; Werneck, 2016).
Colocada esta realidade racial, há espaços em que predomina o pensamento e o fenótipo branco, sendo as universidades um exemplo (Veiga, 2019). Existe hoje a Lei de Cotas (Brasil, 2012), que tem por um de seus objetivos viabilizar o ingresso de mais pessoas pretas, pardas e indígenas no ensino superior. É uma importante estratégia. Porém, a realidade de muitas pessoas negras é impiedosa, e estas por vezes não conseguem nem considerar entrar no ensino superior, pois precisam correr atrás do alimento do dia-a-dia. Cito como exemplo a escrita sobre a miséria retratada na obra Quarto de Despejo, de Carolina Maria de Jesus (1960), escancarando a agonia e desespero da fome, o cansaço de ser uma pessoa negra e pobre, que não tem acesso ao básico, sem qualquer oportunidade de ascensão, desgastando-se para não morrer de fome ou não se suicidar de desgosto pela vida.
Mesmo para aqueles que adentram o ensino superior, o racismo não dá trégua, pois após entrar, a luta segue para conseguir permanecer em um espaço que não foi pensado para nós. Já existe um longo caminho para conseguir acessar, mas é preciso trilhar mais um longo caminho, repleto de angústias (para dizer o mínimo), para resistir e chegar até o final, alcançando o diploma.
Nessa trajetória até a conclusão do curso, há um grande desgaste da saúde mental também por consequência do racismo, acrescido das demandas universitárias. Na Psicologia, é sabido que os problemas de saúde mental que muitos sujeitos vivenciam tem origem biopsicossocial (BRASIL, s.d.). Isso significa que não vem unicamente de questões biológicas ou hereditárias, mas também de questões sociais que acometem o sujeito e sua comunidade, causando crises, desordens e transtornos psicológicos. Portanto, o adoecimento mental é uma realidade na população negra, pela vulnerabilidade e violência que esta vivencia por conta do racismo, e estudantes acadêmicos, ao se depararem com esse ambiente que pode ser hostil, correm o risco de serem impactados psiquicamente de forma negativa.
Portanto, para alcançar nossos objetivos, precisamos nos cuidar e amar, assim como cuidar dos nossos, coletivamente, e usar dos recursos que temos para obter e manter uma boa saúde mental. Estar entre os nossos e nos fortalecer faz diferença para seguirmos o caminho acadêmico, criando uma verdadeira rede de apoio. Importante também se atentar para a saúde física, cuidando da alimentação e praticando atividade física. A psicoterapia, para aqueles que têm essa possibilidade, é uma ótima opção para fortalecer a saúde mental.
A comunidade negra pode sofrer com pensamentos de incapacidade e insuficiência que são projetados para nos afetar, são construídos em nós desde muito cedo, e aparecem no contexto acadêmico. Logo, é necessário que reflitamos e trabalhemos mentalmente para deixar tais crenças e pensamentos de lado, pois estes não são nossos, mas foram forjados para que os tomemos para nós, demonstrando uma das muitas armadilhas do racismo. Temos o direito de ocupar espaços, nos posicionar e fazer nossas vozes serem ouvidas, e aquilo que falamos, pesquisamos e pensamos é importante. Não deixar que nos convençam o contrário.
Lembrar que vieram outros antes de nós para que conseguíssemos chegar até aqui, e que essa luta é coletiva. Nos erguemos, fortalecemos e vencemos a cada passo, ajudando, assim, a pavimentar o caminho para os outros que estão vindo. Nós merecemos viver e realizar nossos sonhos.
BRASIL. Ministério da Saúde. Saúde Mental. GOV.BR. s.d. Disponível em: Saúde Mental — Ministério da Saúde. Acesso em: 08 de out de 2024.
CONSELHO FEDERAL de PSICOLOGIA. Relações Raciais: Referências Técnicas para atuação de psicólogas/os. Brasília: CFP. 2017.
JESUS, C. M. de. Quarto de despejo: diário de uma favelada. São Paulo: Francisco Alves. 1960.
VEIGA, L. M. Descolonizando a psicologia: notas para uma Psicologia Preta. Fractal: Revista de souza [online]. 2019, v. 31, n. spe [Acessado 4 Outubro 2024], pp. 244-248. Disponível em: <https://doi.org/10.22409/1984-0292/v31i_esp/29000>. Epub 20 Dez 2019. ISSN 1984-0292.
WERNECK, J. Racismo institucional e saúde da população negra. Saúde e Sociedade [online]. 2016, v. 25, n. 3 [Acessado 4 Outubro 2024], pp. 535-549. Disponível em: <https://doi.org/10.1590/S0104-129020162610>. ISSN 1984-0470. https://doi.org/10.1590/S0104-129020162610.
Este artigo é uma contribuição das pessoas tutorandas que participaram da Turma V (2024) do Curso Preparatório para Seleções de Pós-Graduação. O objetivo é explorar o potencial documental da plataforma de blog para partilhar curadoria de materiais pertinentes para a comunidade científica e para a sociedade de modo geral.